No Brasil, a adoção de programas de criminal compliance pelas empresas se tornou cada vez mais comum, especialmente em virtude da promulgação da Lei nº 12.863/2012, a qual, dentre outras alterações, ampliou as obrigações de pessoas físicas e jurídicas sujeitas aos mecanismos de controle.
Ao se ter em conta que a terminologia decorre do verbo inglês ‘to comply’ (que significa, cumprir), tem-se que os referidos programas de compliance trazem a ideia de autovigilância, a partir do que Jesús-Maria Silva Sánchez chama de “medidas positivas de formação, que podem não apenas neutralizar fatores culturais ou dinâmicas de grupo favorecedoras de fatos ilícitos, mas também incentivar culturas de grupo de fidelidade ao Direito.” 1
Compreensível, portanto, que em um cenário de promulgação de importantes leis, bem como da assinatura de diversos tratados internacionais 2 sobre a matéria, a ideia de autorregulação e, inclusive, a transferência ao particular do poder-dever estatal de investigação ganhe mais enfoque, vez que referidos diplomas legais buscam, a partir de deveres da adoção de políticas, procedimentos e controles internos, dar uma maior efetividade penal aos crimes perpetrados no seio empresarial e conferir uma maior transparência aos mercados.
No entanto, deve-se ressaltar que, além de prevenir, detectar e mitigar os mais diversos riscos inerentes à atividade empresarial, um bom programa de criminal compliance também é importantíssimo para a tutela dos interesses econômicos daquelas empresas vítimas de crimes, já que deve ainda regulamentar e até auxiliar na produção e colheita de provas que possam servir como instrumento para a defesa dos interesses da empresa no âmbito judicial.
Afirma-se isso, pois, aquelas provas que forem obtidas respeitando-se as garantias fundamentais (a exemplo de uma investigação levada pelos órgãos estatais) e forem adequadamente documentadas, poderão servir como fundamentação para uma medida cautelar real naqueles casos em que a pessoa jurídica for vítima de um delito financeiro.
Isso se dá porque referidas medidas cautelares, além de buscarem a tutela do processo ao assegurar a prova, desempenha uma “importante função de tutela do interesse econômico da vítima, resguardando bens para uma futura ação civil ex delicti e também do Estado, no que se refere à garantia do pagamento da pena pecuniária e custas processuais.” 3
Nesse sentido, haja vista sua estreita vinculação com o interesse patrimonial a ser satisfeito na esfera cível, parece-nos claro que as medidas cautelares, além de se mostrarem céleres, são também adequadas para garantir a efetividade que se espera do direito, já que bens até então constantes no patrimônio do autor do delito poderão ser retidos.
Ademais, faz-se imperioso ressaltar que as cautelares reais mostram-se ainda mais necessárias ao se ter em conta a possibilidade de deterioração, fraudulenta ou não, dos bens móveis e imóveis, sendo indiscutível, em alguns casos, que a restrição patrimonial (inclusive, o bloqueio de contas bancárias) se mostra como a única forma de a empresa conseguir ser ressarcida pelos prejuízos financeiros que sofreu quando vítima de crime.
Desse modo, não restam dúvidas de que as provas legalmente obtidas pelo particular são válidas para uma prévia demonstração do direito, motivo pelo qual devem ser consideradas suficientes tanto para a decretação das medidas assecuratórias elencadas no Código de Processo Penal brasileiro, como também para servirem de base para uma investigação policial mais pormenorizada capaz de delimitar a responsabilização criminal caso a caso.
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1) SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. Fundamentos del Derecho Penal de la Empresa. Montevideo: Editorial B de F, 2003, p. 193.
2) Como exemplos, ressalta-se a Forreign Corrupt Practices Act (FCPA), nos EUA e a UK Briebery Act, no Reino Unido, a Lei de Lavagem de Dinheiro e a Lei Anticorrupção, no Brasil; bem como a Convenção Interamericana contra a Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Global Pact).
3) LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17. ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 1095.